sexta-feira, 29 de julho de 2011

MESCLADO: a devastadora mistura de maconha com crack



  
Um pequeno cigarro enrolado ali mesmo na roda de amigos foi o começo da destruição da vida de Érik Moitinho, 32. Na época, aos 25 anos, ele estava acostumado a fumar maconha e, quando recebeu o baseado, não sabia que estava misturado com crack. Era o seu primeiro contato com o mesclado, mas foi o suficiente para torná-lo dependente. A mistura de crack e maconha não é novidade no Brasil, mas vem se disseminando entre os usuários e já é motivo de preocupação das autoridades brasileira. Embora não haja estatísticas sobre o consumo dessa mistura no país, a psicofarmacologista Solange Nappo, pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que mais de 20% da maconha que circula no Brasil, atualmente, é destinada à confecção do mesclado.
Segundo a pesquisadora, cerca de 70% dos usuários de crack de São Paulo utilizam a droga vinculada à maconha ou ao álcool. Ela destaca, ainda, a forte utilização do mesclado na Bahia e no Rio de Janeiro. O subsecretário da Secretaria Antidrogas de Minas Gerais, Clóves Benevides, afirma que a mistura também já chegou a Minas, mas garante que, no Estado, esse consumo ainda é reduzido. "Os números de apreensão de mesclado são baixos, mas a questão é preocupante, e, por isso, teremos um olhar diferenciado para ela".
Em Belo Horizonte, clínicas de recuperação lidam com um número alto de pacientes que utilizaram o mesclado. Na Associação Família de Caná, que trata de dependentes químicos no Estado, cerca de 70% dos pacientes faziam uso da mistura. O coordenador, Zilton Alves da Silva, especifica que o uso é comum entre homens e mulheres. "Dos 80 homens internados atualmente, 57 fumavam as duas drogas juntas e metade das 12 mulheres também aderiu à mistura", afirma. No Centro de Recuperação de Dependência Química (Credeq), a situação é a mesma. Segundo o presidente, Wellington Vieira, das 60 pessoas internadas hoje na instituição, 48 eram usuárias da mistura de crack e maconha - 80%.
Érik, que veio da Bahia, foi um dos pacientes que chegaram ao Credeq com grande experiência no uso do mesclado. Segundo ele, depois de provar a mistura, o vício foi imediato, e, em pouco tempo, sua vida já havia mudado completamente. Ele era casado, fazia faculdade de turismo e trabalhava como vendedor de carros, mas nada disso resistiu às drogas. "Comecei a gastar todo o meu dinheiro para comprar droga, não saía mais com os amigos e só queria ficar em casa fumando. Além disso, emagreci uns 10 kg", diz.
Érik conta que tinha um salário alto, chegando a receber cerca de R$ 5.000 quando as vendas tinham maior sucesso. O mundo veio abaixo quando ele teve a última de suas perdas: o casamento. "Minha mulher, na época, tentou me ajudar, mas não adiantava. Quando ela saiu de casa é que percebi que precisava de internação", admite o ex-vendedor.
Por indicação de um familiar, Érik veio se tratar em Belo Horizonte, onde diz ter encontrado a saída para o vício. Ele passou por um tratamento intensivo durante seis meses e, há um ano e meio, trabalha na clínica como voluntário. Ele ainda não sabe quando voltará à Bahia, mas se diz satisfeito ajudando outras pessoas com o mesmo problema que ele enfrentou. Para ele, o trabalho na clínica reafirma sua vitória. "Eu não posso esquecer o mal que a droga me fez, nem é possível resgatar tudo o que perdi. Mas minha vida mudou e posso fazer tudo novo daqui para frente", destaca.


Cachimbo usado para tragar o crack também é usado para fumar o mesclado

FOTO: Bruno Figueiredo - 5.1.2010
Cachimbo usado para tragar o crack também é usado para fumar o mesclado
Alerta
Combinação torna usuário ainda mais dependente
Mesclado, meladinho, temperado, bazuco. Os nomes dados à mistura de crack e maconha são diversos, mas, para a pesquisadora do Cebrid Solange Nappo, o objetivo dos usuários em juntar as drogas é único: diminuir os efeitos desagradáveis provocados pelo consumo do crack. A prática até parece uma alternativa inteligente, mas se revela uma armadilha. "O usuário busca o mesclado para sentir menos os efeitos agressivos do crack, mas adquire uma nova dependência e tem ainda mais dificuldade de abandonar o vício", afirma.
A psicofarmacologista acredita que o uso do mesclado é uma estratégia dos dependentes químicos para se manterem no mundo das drogas. A lógica é continuar saciando o desejo do crack, mas não sofrer tanto os efeitos do uso, como, por exemplo, a "fissura", que é o desejo incontrolável de usar a droga novamente. Assim, se eles conseguem controlar um pouco a compulsão, demoram mais a se marginalizar.
A pesquisadora explica que isso provocou, inclusive, uma cultura de que o usuário de mesclado é "mais limpo" que o de crack, mas ela lembra que essa ilusão dura pouco. "É uma saída prejudicial. O que acontece é um toma lá dá cá, pois vão desenvolver uma dependência conjunta e ficar presos ao vício. Além disso, continuam se expondo aos riscos do tráfico, pois a maconha também é ilegal", diz.
O psiquiatra Arnaldo Madruga explica que, apesar do efeito alucinógeno da maconha, o mesclado produz sensações praticamente iguais às do crack e, por isso, a dependência permanece forte. "A compulsão continua existindo. Então, o usuário de mesclado terá necessidade de usar a droga outra vez", afirma.
Solange Nappo lembra, ainda, que o mesclado pode ser uma jogada dos traficantes para viciar um público que ainda não conhecia o crack. Isso acontece quando o usuário compra a droga achando que é maconha, mas recebe o mesclado. Como a mistura normalmente vem enrolada em um cigarro, é difícil a diferenciação imediata. "Para o traficante, a venda do crack é importante. É uma droga que rende dinheiro, devido à compulsão e à dependência que ela gera no usuário", explica. (TB)


Apoio. Altamiro e a mulher dele, Marlúcia, que o ajudou a largar o vício e a dar a volta por cima

FOTO: alexandre guzanshe
Apoio. Altamiro e a mulher dele, Marlúcia, que o ajudou a largar o vício e a dar a volta por cima
Desespero
"Estava tirando da boca da minha filha para comprar droga"
Quem olha para o pedreiro Altamiro Rodrigues de Souza, 41, casado há um mês e com uma vida equilibrada, nem imagina que, há dez anos, o vício das drogas o transformou em um mendigo. Nascido e criado na Vila Cabana do Pai Tomás, na periferia de Belo Horizonte, ele conheceu cedo as drogas, aos 14 anos. Enquanto fumava maconha, Altamiro se achava um "cara de respeito na comunidade", mas as coisas mudaram quando lhe apresentaram o mesclado. "Naquela época, era bacana fumar maconha, mas um dia me perguntaram se eu conhecia a mistura com o crack. Experimentei num dia e no outro já estava atrás dos traficantes para conseguir mais", diz.
A compulsão pela mistura crescia a cada dia, até que ele se viu escravo das drogas. "No início, você faz uma mistura balanceada, só para o crack dar um gosto na maconha. Depois, vai aumentando até perder o controle", conta Altamiro.
Depois que ele conheceu o crack, por meio do mesclado, adquiriu um vício tão forte que passou a buscar, também, a pedra pura. "Então, você começa a vender o que é seu e depois o que é da família. Cheguei a um ponto que estava tirando da boca da minha filha para comprar droga", conta.
O vício também destruiu o casamento e fez com que perdesse o emprego. "Ganhei um acerto de R$ 16 mil que, infelizmente, só durou três meses porque foi tudo para as drogas. Fui morar debaixo da marquise do antigo Cine Brasil", lembra.
A solução veio após o que ele chama de "cansaço do sofrimento". Procurou a família, que o internou na clínica Reviver, em Jaboticatubas, região Central de Minas. Hoje, diz, vive do ofício de pedreiro e está feliz com a nova família. (TB)

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