segunda-feira, 28 de maio de 2012

Líderes em abuso de álcool são mulheres jovens e homens de meia-idade


Intervenção antes que o excesso vire vício permitiria convívio social com o álcool, dizem especialistas

FONTE: Fernanda Aranda , iG São Paulo 
Getty Images
Álcool: nelas, consumo abusivo se concentra entre as mais jovens
Aos 13 anos, Alice virou três doses de pinga de uma vez, para parecer mais velha e descolada na frente dos amigos. Não largou mais a muleta da bebida alcoólica. Aos 56 anos, Manoel bebeu quase três litros de cachaça após perder o emprego e brigar com a mulher. Naquele porre, acredita, firmou o longo casamento com a dependência química.
Ela tão nova, ele na meia-idade. Ambos exemplificam o padrão nocivo de uso de álcool que acaba de ser detectado por uma pesquisa financiada pela Organização Mundial de Saúde. O estudo, chamado Megacity – feito nas Américas e na Europa – foi realizado no Brasil em parceria com o Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Foram ouvidos 5.037 adultos da região metropolitana de São Paulo.
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Os recortes dos dados nacionais sobre dependência de álcool em homens e mulheres foram antecipados com exclusividade ao iG Saúde e revelam percursos diferentes do vício na comparação dos gêneros.
“Enquanto no sexo feminino o maior índice de uso abusivo e de dependência de álcool está na faixa-etária mais jovem (até 24 anos), no recorte masculino esta maioria apareceu mais tarde, após os45”, afirma Camila Magalhães Silveira, autora do estudo no País e coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).
A diferença, inesperada pelos pesquisadores, mostra uma mudança no comportamento da população dependente, já que há duas décadas a maior parte dos abusadores homens também era concentrada em uma fase mais precoce.
No passado, pontuam os especialistas, para cada cinco usuários problemáticos de álcool existia uma mulher na mesma condição. Atualmente, mostra o estudo, a razão comparativa é de 1 para 1. Elas já bebem tanto quanto eles, mas concentradas em fases distintas.
Curvas opostas
Alice, 23 anos, acumula mais de 120 meses de uso descontrolado “de toda e qualquer coisa alcoólica”, está no grupo de 6% de mulheres que antes mesmo dos 25 já apresentam problemas de saúde graves motivados pela bebida. O índice é mais do que o dobro do identificado entre as com mais de 45 anos – nesta parcela a taxa soma 2,9%.
No sexo masculino, entretanto, a curva é inversa. Os jovens com menos de 25 anos que apresentam as sequelas do consumo exagerado de cerveja, destilados e vinho somam 11,1%, contra 27,6% entre os que já completaram ou passaram dos 45 aniversários (16,5 pontos porcentuais a mais).
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Em encontro recente com a reportagem, Manoel conta que sempre bebeu, mas só perdeu o controle “quando tinha família e era pra lá de maduro”. Hoje ele tem 63 anos.
A grande diferença entre as faixas etárias de homens e mulheres nas estatísticas de uso problemático de álcool tem algumas hipóteses.
A primeira explicação é fisiológica, e por si só um fator preocupante, aponta a psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) especializada em drogas, Alessandra Dihel.
“A estrutura hormonal delas é mais vulnerável ao álcool, o que faz com que seja mais precoce nelas a fragilidade diante do consumo de álcool. Para ter os mesmos danos que eles, as jovens precisam beber bem menos e por bem menos tempo.”
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Outro fator apontado pela psicóloga especialista em dependência química da clínica Maia, Adriana Talarico, é o gatilho para a utilização nociva de álcool.
“No discurso dos homens, a motivação são as frustrações ao longo da vida, um declínio profissional e na produtividade, eles passam a se considerar um fardo à família, questionar as próprias conquistas”, pontua.
“Elas, por sua vez, falam da pressão para começar a vivência. A aceitação no grupo, no mercado de trabalho e também para lidar com as obrigações múltiplas que surgem desde muito cedo.”
A autora do estudo Megacity, Camila Siqueira, traz à tona outra questão: o foco da prevenção.
“É mais recente a aceitação social do uso do álcool pelas mulheres. Antes, elas não bebiam. Com isso, o foco das campanhas preventivas ficou muito centrado nos homens. As mulheres ficaram negligenciadas desta abordagem. Raros são os ginecologistas, por exemplo, que questionam se as suas pacientes bebem, fumam ou usam outras drogas.”
Perdas e ganhos
De acordo com as pesquisadoras ouvidas pela reportagem, quanto mais rápido forem feitas intervenções para evitar o comportamento abusivo, maior é a chance da pessoa afetada de mudar o curso da dependência etílica que pode comprometer o fígado, os pulmões, o coração, a fertilidade, além de aprisionar o usuário aos quadros de compulsão e depressão.
Neste sentido, a pesquisa Megacity foi pioneira também em mapear não apenas os dependentes de álcool, mas os que estão na categoria “abusadores”, fase anterior ao vício propriamente dito.
“Os usuários abusivos, por exemplo, já podem ter alterações em alguns exames clínicos provocados pela bebida, podem ter faltado muitos dias no trabalho devido à ressaca ou mudado os planos de vida por causa do álcool. Mas eles não sofrem de abstinência ou compulsão, duas características essenciais nos dependentes químicos”, explica Camila.

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